Sou triste,
Porque a tristeza que me inunda é na verdade o reflexo do
rosto daquele que eu desprezei,
Faminto, porque não soube dar ou guardar aquelas pequeninas
sobras que ontem restaram,
Sedento, porque aquela água que tinha no pote, só dava para
lavar o meu corpo que na noite ia se aproveitar nos prazeres e
nos escândalos, e se desse um copo com ela, me fazia falta depois.
Sou nu, porque soube despojar nas noites, nos motéis, casas
onde se comercializa corpos humanos, mas não me sentia
farto de roupas e por isso não pude dar-te uma camisa sequer,
para cobrir teu corpo que gélido aglomerava nas calçadas das
casas comerciais,
Deficiente físico, porque meus braços não te seguraram quando caíste, e
minhas pernas não se movimentaram naquele momento em que tu usando
muletas, precisava rápido atravessar a rua,
Sou cego, porque me pediste para te mostrar o caminho certo, quando, no
entanto, fiquei caminhando contigo até caíres no maior precipício,
Sou surdo, porque tu caindo no precipício chamava por mim, e eu
virando o rosto fingia não ouvir,
Sou incompreensível, pois não sabendo te compreender errei muita
vezes, e errando no egoísmo vacilei, e foi vacilando que morreu o
sorriso e morrendo a essência do sorriso, senti-me vazio e só, nascendo com
isso uma solidão, que com suas raízes fortes segurou-me e faz de mim um
homem triste.
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