Após episódios de violência familiar na infância e adolescência, a trajetória que Simone começou a trilhar, desde muito cedo, a levou a ser hoje referência no trabalho, no esporte e na vida pessoal, a que se dedica com igual empenho, conciliando nelas força, sensibilidade, disciplina, altruísmo e muita determinação.
A história dessa mulher começa cedo, quando para fugir dos abusos do pai, decidiu se casar, aos 16 anos. Aos 17, já era mãe. Se tornou inspetora antes dos 30. Assumiu a posição de liderança aos 40. E foi na terceira idade, com exatos 60 anos, que se tornou comandante geral da Guarda Municipal, a primeira mulher a comandar a corporação em Maceió, onde liderou quase 700 pessoas.
De farda e coturno, teve que enfrentar, por outro ângulo, novas situações de violência, mas foi sempre com o olhar humano que ela optou por enxergar as atitudes e as pessoas, e se destacou mais uma vez por humanizar a Guarda, dentro e fora dos muros da instituição.
Simone conta que quando atuou no comando do grupamento que atendia a população de rua, durante as madrugadas visitava com as equipes as praças da cidade e lidava com pessoas usuárias de drogas, em muitos casos envolvidas em situações de agressão ou outros crimes.
Mas na mala da viatura, levava seu material de primeiros socorros, porque tem formação em técnica de enfermagem, e fazia atendimento àqueles que precisavam, conquistando a confiança e levando atenção aos homens e mulheres que encontrava.
“Aquela atitude era para conquistar a confiança deles, mas também para dar um carinho e criar uma aproximação, e eles contavam o que se passava para a gente, era uma Guarda humanizada. Outra vez, nossa equipe juntou dinheiro para que um morador de rua que não tinha certidão de nascimento fosse à cidade em que nasceu pegar uma declaração de que não tinha registro e finalmente tirar os documentos. Conseguimos até aposentá-lo. O que mais me emociona é lembrar do dia em que ele me encontrou, já com a certidão de nascimento, me abraçou, olhou para mim e disse ‘eu existo’. Por isso que eu digo que esse trabalho é o máximo”, lembra emocionada.
Com os colegas de profissão, a inspetora não age diferente. Com fama de mãezona, ela diz que gosta de agregar, mas também puxa a orelha. E o retorno é a parceria que firmou com os guardas. “Meus filhos dizem que eu adotei a Guarda, e é verdade. Como eles não moram mais comigo, passo mais tempo lá. Amo o que faço. É gratificante. E acredito que tenho vantagem por ser mulher, por ter a sensibilidade e o jogo de cintura que muitas vezes o homem não tem, e aí você puxa a equipe para você”, diz.
À frente do comando geral da instituição, Simone conquistou avanços históricos, como a capacitação de mais de 100 guardas para o porte de arma, quando até a gestão anterior da Prefeitura de Maceió eram cerca de 30, menos de 5% do total.
Por meio de emendas parlamentares, a comandante deu andamento ao processo de compra de espingardas e de 15 viaturas. E pela primeira vez na história da corporação, solicitou um laudo da Defesa Civil sobre o prédio da Guarda, que deu subsídio ao processo de reforma, demanda urgente da categoria que agora está prestes a ser iniciada.
Este ano, em abril, Simone foi reconhecida pelo Prêmio Selma Bandeira, criado pelo Decreto Municipal 6393/2004, que homenageia mulheres pelo trabalho realizado em diversas áreas, entre elas, a segurança. “Quando fui homenageada, meu filho disse ‘mainha você cumpriu seu papel’. Eles sempre dizem que eu sou exemplo para eles, isso me basta”, confessa.
Atleta aos 48 anos – Quem vê a inspetora Simone Lima de farda ou a mãe e dona de casa Simone à vontade cozinhando para receber amigos, não imagina que além de tudo ela é veloz. Mas o quadro na parede principal do apartamento onde mora mostra que tem algo de excepcional naquela mulher.
No quadro, uma foto dela carregando a tocha olímpica na Olimpíada de 2016, sediada pelo Brasil. A única imagem que conseguiu obter do momento em que representou mais uma vez a Guarda, mas naquele momento como atleta, em um evento mundial de esporte.
O motivo de estar ali é que ela já conquistou dezenas de medalhas de bronze, prata e ouro nos 200 metros rasos, inclusive com recordes para a faixa de idade.
Simone começou a correr na praia, apenas para se exercitar, mas logo foi descoberta como uma promessa. E cumpriu. Em 2009, na primeira competição nacional dos atletas de segurança pública, no Rio de Janeiro, conquistou ouro e se tornou recordista.
Rio, Espírito Santo, São Paulo, Rio Grande do Sul, Nova Iorque, Irlanda do Norte, Los Angeles… Ela coleciona medalhas pelo Brasil e pelo mundo.
Mas na próxima vez em que competir, terá que mudar de modalidade. Com a idade, foi orientada a parar de correr pelo médico ortopedista, mas decidiu que parar não estava nos planos.
“Agora estou me preparando para competir na natação. Eu treinava natação na praia, ia até a piscina natural da Pajuçara e voltava, mas piscina tem técnicas que ainda tenho que aprender, por isso vou intensificar o treino para o mundial no Canadá, ano que vem”, conta animada.
De onde vem tanta força de vontade? Para ela, vem da história de superação lá de trás, na infância, quando precisou enfrentar o próprio pai, e durante toda a vida, teve que enfrentar os próprios traumas.
“A mulher que sofre violência tem que receber muito apoio. É necessário que as pessoas entendam que não é apenas naquele momento [de enfrentamento]. É muito importante ter acompanhamento. Se eu tivesse tido, talvez tivesse outro comportamento nos meus relacionamentos, inclusive com meus filhos. Eu deixava de abraçar e beijar meus filhos porque tinha ideia de que era falta de respeito”, lembra.
Há cerca de um ano, Simone foi convidada a fazer parte do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, onde atuava como suplente, mas agora terá que ser titular por conta do afastamento médico da colega.
Na primeira reunião que participou na sede da Secretaria Municipal de Assistência Social, percebeu o quanto pode ajudar e saiu “instigada”, como diz. Pós-graduada em gestão de segurança, pretende levar o olhar sensível e a experiência como comandante para ajudar as mulheres que estão em situação de vulnerabilidade a serem inseridas nos projetos sociais promovidos pelo grupo.
A motivação dela foi percebida pelo secretário Claydson Moura, que considera a inspetora uma inspiração para mulheres e para servidoras e servidores públicos. “A Simone é exemplo de mulher, exemplo de brasileira e exemplo de servidora pública. A história dela, além de inspiradora, é fantástica. Vai encantar outras mulheres, outros jovens, outros servidores, a ter pelo serviço público o amor que a Simone tem. O fato de ela ser mulher, ser mãe contribui, mas mais que isso, o olhar humano é absolutamente fundamental para o trabalho que ela fez na Guarda. A gestão JHC e nós da Assistência Social aplaudimos essa mulher, onde ela quiser estar, porque lugar de mulher é onde ela quiser estar. Temos que aplaudir, apoiar e dar todas as condições possíveis para que se desenvolvam e prestem esse serviço maravilhoso”, exaltou.
Aos 60 anos, já com idade de se aposentar, Simone diz que não vai parar, porque ainda possui algumas missões a cumprir. “Amo o que faço e ainda quero ver a Guarda em um prédio próprio, vista como segurança pública, porque algumas pessoas não sabem, mas desde 2014 nós fazemos parte da segurança pública e algumas pessoas ainda veem a gente como vigilantes. Acho que ainda tenho muito a contribuir”.
Fonte: Ascom Semas
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